sábado, outubro 20, 2012

As Trevas da Paixão - Sebastião


- Estou-te a dizer – reclamou Diana do alto dos seus sapatos Gucci, que lhe davam a mais 15cm de altura, enquanto segundo ela, procurava captar o melhor “ar” do cadáver, através dos pincéis de blush, estojo de sombras e bases de todas as cores, que segurava nas mãos como se fosse Picasso ou Monet.
                Apresento-vos a minha amiga Diana, a única pessoa que conheço que se delicia sempre que o telefone toca a avisar que alguém tinha «batido a bota». Que mais uma pessoa se tinha mudado para a terra dos pés juntos. A única pessoa que conheço que fica com um brilho no olhar, sempre que recebe um novo hospede na sua humilde funerária “ Alma do paraíso”. Decorada com elegantes e confortáveis sofás, almofadados e de veludo negro ou vermelho, consoante as salas. Sim, ela era uma mulher de negócios, estranha, mas de negócios e com um excelente bom gosto.
                - Então não achas demasiado obvio, ele atirar-se a mim, assim, do nada? – disse eu, tentando não olhar directamente para o senhor Manuel da tasca, que estava ali, morto. Enquanto a Diana lhe retocava o brilho do nariz.
                Diana parou o movimento circular do pincel e lançou-me aquele olhar «já te viste ao espelho, por acaso?» Ela pousou as suas armas de trabalho e veio-o na minha direcção.
A sério, o barulho que aqueles saltos faziam, juntamente com aqueles olhos castanhos, capazes de nos arrancar a alma pelas narinas era ainda mais arrepiante do que o Sr. Manuel da tasca, deitado no seu eterno descanso, no aconchego do cetim creme do seu caixão de pinho.
- Acredita em mim, amiga! – Diana segurou-me no queixo e fez-me olha-la nos olhos – Tens que aproveitar a vida! Ele é um homem, por amor da santa!
- Por isso mesmo! – repliquei eu, imitando-lhe o tom de voz – Não o conheço de lado nenhum!
- Mais um motivo – disse ela com um sorriso malandro, muito mal disfarçado nos lábios – Tens de o conhecer melhor. E a oportunidade de irem jantar é formidável. Além disso, ele é rico. Bonito. Tem uma pila, que mais queres tu?!
- Diana! – disse eu exasperada.
- Eloisa, minha querida! – Diana descaiu o peso para uma só anca – Vive a vida, fode o gajo e amanhã anda cá contar-me!
- Tu não és normal,…. Juro-te que não és! – disse-lhe eu quase a perder o controlo que me impedia de me desfazer às gargalhadas.
Diana regressou ao senhor Manuel da tasca para terminar o serviço, quando me disse por cima do ombro:
- Mas não venhas muito cedo! Sabes como odeio levantar-me cedo. – Diana fez uma festinha no cabelo do cadáver – mas podes mandar SMS a dizer se foi bom ou não.
- Eu não te vou mandar SMS coisa nenhuma! – disse-lhe, enquanto procurava o telemóvel para ver as horas.
 - Não só vais mandar SMS, como me vais contar os detalhes mais tarde. – disse-me ela, apontando-me o pincel. – Tu sabes, eu adoro detalhes!
- Não amiga, - disse-lhe eu, aproximando-me dela, beijando-lhe o rosto em despedida – Tu adoras homens!
...
Sabia que estava perfeita, mas uma mulher que se prese, inventa sempre uma desculpa para incluir uns tantos «se» enquanto nos observamos ao espelho. Eu chamo-lhe humildade, mas se Diana estivesse presente chamava-lhe outra coisa.
Um jantar, era um jantar. Mas como Diana tinha dito e bem, Sebastião era um homem lindo e charmoso. Aquela pele achocolatada um verdadeiro deleite par as vistas. E mais tarde quem sabe para as mãos também.
Ajustei o vestido mais uma vez. Um vestido preto e justo, com um decote generoso nas costas, e bastante discreto na frente. Uns sapatos de salto agulha da mesma cor, o cabelo solto e um pequeno bracelete no pulso e voilá. Pronta para o primeiro jantar romântico dos últimos anos.
Claro que não sou virgem, e já tive outros relacionamentos. Mas sabem aquela sensação que é desta que assentamos? Pronto, era a sensação que tinha quando estava com Sebastião, independentemente de nos conhecer-mos há meia dúzia de dias.
Sebastião foi como um raio de sol naquele entediante dia de trabalho. E não estou a falar apenas fisicamente. O homem tinha uma cultura para lá de normal. Falava de tudo. Discordava das coisas de forma cavalheiresca e elogiava-me ao ponto de eu ficar a arder só de o ver mexer os lábios. Ainda por cima tínhamos trabalhos relacionados. Eu como recepcionista chefe do hotel, ele como relações publicas de uma famosa emprega de R.P. que estava em Évora a aprestar consultadoria a várias infra-estruturas hoteleiras.
                «- Minha querida, agora que te encontrei, eles não terão outro remédio se não contratar-me!» Disse Sebastião com aqueles olhos castanhos enormes e hipnotizantes. Sim, a nossa química tinha sido explosiva. Por pouco, muito pouco, não o tinha arrastado para dentro da sala do pessoal do hotel, lhe arrancado a roupa e fazer sexo ali mesmo, naquela mesma hora…
                - E por falar em horas… - disse eu enquanto observava as horas e abanava a mão junto das bochechas para fazer acalmar os calores.  Peguei na bolsa preta, pequena e discreta, e à medida que fui avançando pela minha casa, fui apagando as luzes que tinha acendido aquando a correria de me preparar para ele.
Ohhhhh, simmmmm,era tão bom ter alguém para quem nos pudéssemos aperaltar, “impiriquitar”, ter uma overdose de perfume e sorrir como uma tolinha de cada vez que nos lembramos do nome dessa pessoa! Até ficava contente por o despertador tocar de amadrugada, porque sabia que o ia encontrar no local de trabalho fosse de manhã, de tarde ou à noite.
Sim, já sei, são os sintomas da paixão que nos fazem dizer estas coisas e ter estas atitudes e era porque a paixão entre nós tinha sido tão avassaladora e instantânea que eu reagia como se estivesse com ele há uma vida…
                Sebastião chegou no mesmo instante que alcancei o último degrau de acesso à rua. O seu maravilho mercedes super desportivo SLR Mclaren dava imensamente nas vistas. Tal como Eu!
Sebastião saiu do carro e enquanto se apressava a abrir-me a porta do carro, como um perfeito cavalheiro, não pude deixar de me sentir deliciada por ser alvo daquela atenção. Daquela luxuria. Conseguia ler-lhe nos olhos: «comia-te aqui e agora.». E não era de todo má ideia, não fosse o facto de eu estar cheia de fome e de desejar com todas as minhas forças ir jantar com ele.
- Olá – disse-lhe eu enquanto me inclinava para lhe dar um beijo.
               - Olá não, anda cá! – Sebastião agarrou-me a cintura com rudeza e puxou-me para ele, mergulhando aquela língua quente e malandra dentro da minha boca, fazendo-me arquejar de desejo.
Pronto, se calhar íamos ter de adiar o jantar por umas horas…
                Beijamos na rua, completamente alheios aos que nos rodeava. Absorvidos de uma tal maneira na dança das nossas línguas que só nos separamos quando um agente da PSP se apresentou em voz alta com um barulhento desobstruir da garganta, que me deixou ainda mais vermelha.
- Considerando o tamanho de ambos – disse o agente da autoridade – Creio que entendem que a via publica não é de todo, o melhor local para este tipo de comportamento.
                Juro-vos por todas as estrelinhas que existem no céu: Não me queria rir. Juro que não. Mas é sempre mais forte do que eu. Há quem chore nas situações mais complicadas. A mim dá-me para rir à gargalhada como uma louca destrambelhada.
- Desculpe senhor agente. Lamento imenso. – Sebastião abriu a porta do carro e enquanto me enfiava no lugar do passageiro, ele desculpava-se com toda a polpa e circunstância dos meus ataques de riso. – Sabe como é… declarei o meu amor e ela ficou fora de si!
                O agente esfregou o queixo enquanto eu continuava a resfolegar o riso, ponderando se não me devia fazer o teste de alcoolémia ou drogas.
                - É melhor levar a sua noiva antes que tenham de me acompanhar ao posto. – o agente levantou a pala do chapéu num cumprimento – Passem bem.
Noiva?! Teria ouvido bem?
                Durante o curto percurso, desde a minha casa até ao restaurante de luxo que Sebastião escolhera para o nosso jantar, consegui terminar com o ataque de riso, muito provavelmente devido aquela maldita e contante palavra de cinco letras que pulsava no meu cérebro a cada batida do coração. Noiva! Noiva! Noiva
                Não! Não podia ser. Era tão cedo! Conhecíamo-nos nem há um mês, por amor de Deus! Respirei fundo quando o mercedes abrandou no parque de estacionamento privado do restaurante de luxo, e mentalizei-me de uma vez para sempre que aquilo do amor declarado tinha servido única e simplesmente para evitar uma passagem na esquadra mais próxima. Ouviste bem Eloísa? Foi uma desculpa miúda, nada mais. Deixa os filmes para o Manuel de Oliveira[1]sim?
                Sebastião abriu a porta do carro e estendeu-me a mão para me ajudar a sair. Tinha umas mãos tão macias e longas, um contraste delicioso que me deixava em brasa só de pensar no que aquelas mesmas mãos poderiam fazer por mim mais tarde… O meu estômago roncou no máximo volume. Uma coisa muito elegante, não haja dúvida nenhuma. Tentei disfarçar mas aquele líquido vermelho que me corre pelo corpo atraiçoou-me, fazendo-me ficar da cor de um tomate bem maduro.
- Não tens noção do que essa cor rosada me faz, poi não, baby? – ronronou Sebastião ao meu ouvido, enquanto me abraçava a cintura e me encaminhava para a entrada.
Eu, feita tonta, limitei-me a lançar-lhe o meu mais lânguido sorriso. Quando o empregado de mesa, elegantemente vestido, nos recebeu na entrada, enquanto Sebastião lhe dava o nome da reserva que tinha feito posteriormente, ele deslisou a mão que me segurava a cintura até ao rabo, apertando-o, fazendo-me sobressaltar-me ao lado dele, enquanto o malvado homem revestido a leite com chocolate me desafiava com o olhar libidinoso a dar-lhe uma respostas audível à atitude dele ali mesmo, diante do empregado!
                Confesso que o meu lado mais desavergonhado me gritou num megafone que lhe apertasse os tomates descaradamente… Mostrando-lhe que eu também tinha um lado negro e sem qualquer noção púdica. No entanto, ao contrário dele, eu conhecia aquele restaurante como a palma das minhas mãos, uma vez que pertencia À cadeia hoteleira para a qual trabalhava. E tudo o que não precisava era de publicidade gratuita sobre a minha vida privada, neste caso em particular amorosa.
E estando agora Sebastião, também relacionado com a minha posição laboral, decidi guardar a vingança daquele beliscão ousado para mais tarde…




[1] Cineasta português.





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