sexta-feira, novembro 23, 2012

As Trevas da Paixão - Santiago

Dias depois, e depois de uma lavagem cerebral em modo Diana, decidi e cheguei à conclusão que efectivamente não ia perder nem mais um segundo da minha vida a lamentar ter sido enganada por um merdas como ele.

                Mas se pensam que ultrapassar uma situação destas é fácil, esqueçam, porque não é! Estar perante uma situação de traição é como se nos estivessem a asfixiar muito lentamente. É como se nos espremessem os pulmões muito devagarinho, para que possamos sentir todos os passos da asfixia e guarda-los na memória.
              Mas para mim, chega de choradeiras por alguém que não merece sequer o meu desprezo!
Perguntam vocês se por ventura ele não apareceu a pedir desculpa, ou com falinhas mansas? Não. E foi melhor assim, porque com esta atitude só mostra efectivamente a raça de cão que é…
Ainda debruçada sobre o assunto, num recôndito canto da minha mente, sou puxada para o meu trabalho depois de ouvir uma leve pancada sobre o balcão da recepção. Levanto os olhos ainda um pouco aturdida e vejo um ser do sexo masculino do outro lado a observar-me com interesse a mais para o meu gosto.
Tentei conter aquele impulso que me tinha surgido entretanto de maltratar qualquer espécime do sexo oposto. Mas o meu consciente era super profissional e não me deixou meter os pés pelas mãos.
Concentra-te Eloísa. Estás a trabalhar, lembras-te?
                Assumindo a pele da minha profissão, arrumei uns documentos e levantei-me, com um sorriso profissional digno de nota.
             - Boa tarde, peço desculpa por não o ter ouvido. – apontei para a pilha de documentos – Excesso de trabalho!
Ele sorriu. E maldito fosse. Quer dizer, será que não podia encontrar nos próximos tempos homens feios e gordos e a cheirar mal?
Não! Claro que não! Tinham que aparecer homens bonitos e bem constituídos. Com vozes cadenciadas e sensuais…
Ohhhh mãezinha, quero morrer…. Choraminguei interiormente enquanto os meus olhos se deliciavam com o que viam.
O homem que estava diante de mim não tinha nada a ver com o outro, e mesmo que estivesse naquela fase de odiar todo o sexo masculino, não consegui evitar fazer comparações e tirar-lhe as medidas.
                Este homem desconhecido tinha cabelo curto e loiro, com uns olhos azuis que não pareciam de verdade. Era ligeiramente mais alto que o outro e visivelmente mais maduro, possivelmente bem mais velho. Tinha também um bom porte atlético, uns ombros largos debaixo da t-shirt simples e preta.
Discretamente, olhei para baixo, como quem procura uma esferográfica e reparei que pelas calças de fato treino e as sapatilhas devia estar a regressar do ginásio ou a dirigir-se para lá, uma vez que não estava nada transpirado. Ou talvez não transpirasse.
Eloisa! Foca-te! Concentra-te! Trabalho!
                - Ah… Hum… em que posso ajudar? – voltei a perguntar.
Ele sorriu-me de trejeito. Um sorriso malandro.
                - Assim fica muito melhor. – disse ele.
                - Como? – disse eu sem perceber nada. Aquele momento estava a começar a ficar surreal. – Desculpe, não percebi.
                O homem fez um sorriso de lábios cerrados como quem diz «eu sei uma coisa que tu não sabes», meteu as mãos descontraidamente aos bolsos e disse:
               - Não que tenha nada a ver com isso, mas no outro dia estava tão furiosa que pensei que me ia bater. – disse ele divertido.
                Bem, já podem imaginar qual foi a minha reacção. Primeiro, fiquei vermelha como um tomate. Depois, fiquei a pensar que o rapaz era maluco! Mas essa hipótese já só durou um segundo porque de imediato os meus neurónios meteram mãos à obra e fez-se luz na minha cabeça: a revista!
-Ho, desculpe…eu… - tento desculpar-me mas em vão, pois esta criatura do sexo masculino interrompe-me.
              -Por favor, nem tente. – diz ele, num tom sério. – Naquele dia vi bem que você não estava em si, é compreensível. – Tranquilizava-me
- Sim bem… - sinto-me envergonhada pelo escândalo que dei no meu próprio local de trabalho, “Maldito fosse aquele canalha mentiroso!”
-Sabe que fica encantadora corada? Acredito seriamente que tenha metido tudo o que é pila no mesmo saco. Cretinos, desumanos.
Esqueçam, não era uma pergunta, mas uma afirmação. Como se de facto esta constatação estivesse tatuada no meu rosto. Sinto as faces mais coradas pelo vocabulário usado, “pila”, sim bem sei o que isso é, quem não sabe? Mas ouvir assim? Na recepção, com clientes que possam ouvir? Nunca na vida, e sinto as faces a arderem-me.
Tento responder qualquer coisa mas a minha boca simplesmente secou e parece que ficou colada.
-Parece que a escandalizei? – questiona ele num tom meloso, olhando em volta como um amante que tenta roubar um beijo às escondidas. Eloisa! Nossa Senhora, enlouqueceste?” Repreende-me o meu subconsciente.

 – Bem, não começamos da melhor forma. – o cavalheiro volta à sua postura normal, como um cliente normal, e não um deus debruçado no balcão. – Santiago, ao seu dispor menina.
Sorriu, enquanto fazia uma pequena vénia e eu, sem me conseguir conter, dou uma gargalhada.
                -Eloisa, e em que posso ajuda-lo? – questiono de novo, e com o bom humor ao de cima, esquecendo por momentos a traição que sofri.
-Bem Eloisa, o problema é que eu ia para o ginásio aqui do hotel, mas esqueci-me do meu Blackberry no quarto, e quando ia para busca-lo reparei que também deixei o cartão no quarto. Logo, não consigo entrar nele. – confessou dramaticamente como se o mundo estivesse a chegar ao fim e eu novamente, sem me conter, desmancho-me a rir à gargalhada, o que não é nada profissional, mas a maneira dele ser deixa-me tão à vontade que não me consigo controlar, e depois o dramatismo da situação não vem ajudar em nada.
-Por favor minha bela dama, não se ria. – pede com um olharzinho que me fez lembrar o Gato das Botas[1]  . – Esquecer-me do meu Berry[2] já é mau, mas esquecer-me do cartão para entrar no meu quarto é péssimo. Por acaso quando dei pelas falhas ainda me vi de alto a baixo – e aponta para o espelho grande que está no Hall do Hotel. – Para confirmar se não vinha com a toalha na cintura e o cabelo com champô. E ainda lhe digo mais, já que ainda se ri da minha desgraça, corri até ao parque de estacionamento com medo de ter estacionado lá um navio. – termina ele com um tom sedutor e super dramático.
Sem me conseguir conter a imaginar um navio “estacionado” no parque, desato à gargalhada desalmadamente com as lágrimas a rebolarem pelo meu rosto, as minhas bochechas começam a reclamar de tanto rir, mas não me consigo conter e quando olho para ele ainda a rir, vejo que ele também ri.
- Pelo menos já a fiz rir, já me sinto melhor. – confessa, eu por fim recomponho-me.
- Diga-me o seu nome completo e o número do quarto se faz favor. – falo entre inspirações para me tentar conter e acalmar o riso, ele diz-me o nome e o nº e eu dou-lhe outro cartão de acesso ao quarto dele. – Aqui tem, boa estadia e por favor… não se esqueça de mais nada. – sorrio
-Acredite, vou tentar não me esquecer.
 

[1] Alusão ao filme da Pixar, olhar esbugalhado do personagem do gato das botas, quando quer parecer inocente.

[2] Diminutivo de Blackberry.

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