sexta-feira, novembro 02, 2012

As Trevas da Paixão - Sebastião #3

      - Tens certeza de que não precisas de uma licença qualquer para poderes sair com esta coisa no dedo? – perguntou Diana sem me largar a mão, observando o lindo anel de ouro branco com um enorme diamante a cintilar descaradamente como se estivesse a gritar «esqueçam a  mulher, olhem para mim».
                - Nos dias que correm só preciso de ter cuidado para não ficar sem mão, caso me tentem assaltar! – disse eu, tentando mexer a mão, sem sucesso. Diana só me largaria a mão depois de ver todos os pormenores do meu novo anel.
                - Devias fazer um seguro de vida só por causa deste menino. – disse ela, ainda a observar o anel. Depois, num aparatoso abraço, esmagou-me contra ela, gritando-me ao ouvido – Parabéns amiga! Parabéns! Estou tão feliz por vocês.
                - Calma Diana, é só um anel… - disse eu, tentando afastar-me, escusado será dizer, que sem sucesso e quase surda.
                - Um anel! Miúda, caso não tenhas reparado, este anel – Diana pegou-me na mão e ergueu-me o dedo anelar direito – Dava para eu fazer a viagem dos meus sonhos aos states[1]com direito a gastar umas boas verdinhas na 5ªavenida. Além disso, se um homem torna a liberdade de nos presentear com uma coisa destas das duas uma: Ou nos ama, ou nos anda a trair descaradamente!
                - Diana, que disparate! – consegui eu dizer depois das palavras dela me terem atingido como mil balas.
                - Os homens em geral são uns seres bastante detestáveis – disse Diana, marcando o código no painel digital, desactivando o alarme da sua funerária.
                E agora prestem atenção, porque isto é cómico, e pode ser que vocês consigam perceber, coisa que eu já desisti há imenso tempo: se a minha querida Diana guarda o dinheiro no banco e nunca tem dinheiro na funerária, porque insiste ela em ter um alarme todo xpto, caro como tudo, ali, onde só existem caixões de pinho e pontualmente cadáveres?
Eu sei que o mundo está estranho, mas ainda estou para descobrir alguém mais estranho que a minha querida amiga Diana.
Sim, em termos de estranhezas ela bate os recordes nacionais aos pontos.
                - Mas depois de tanto trabalho a paparicar-te. A seduzir-te. A mimar-te. Não acredito que seja a opção traição que ele tenha em vista. – ela abriu uma gaveta e puxou a sua agenda de pele vermelha. Folheou umas páginas e sorriu – Hoje tenho uma cliente. Por falar nisso, dás-me dois minutos? Preciso mesmo de ligar à Be. Para saber se a minha menina já vem a caminho.
                Digo-vos, ver o entusiasmo que ela tem com os mortos que lhe vêm parar às mãos é quase doentio! Não a visse eu a sair com pessoas, dentro dos parâmetros normais da sociedade, e pensaria que ela precisava de ser internada.
                - Vais gostar da Emma. É britânica. Faleceu ontem, vítima de uma paragem cardio-respiratória – Diana mordeu o polegar em ansiedade enquanto me lançava o seu melhor olhar condescendente – Tadinha!
                Digam-me lá o que se pode fazer em momentos como estes? Nada, a não ser abanar com a cabeça e sorrir-lhe. Diana era assim, incorrigível e apaixonada pelo seu trabalho.
Depois dela ter combinado com a Be, funcionária da morgue do hospital Espirito Santo, que coordenava o despacho dos cadáveres, Diana começou a remexer nas caixas dispostas nas estantes do seu bonito escritório, escolhendo as bases, paletes de sombra e blush que escolheria para Emma. Já tinha recebido por email um foto do cadáver para poder preparar os seus instrumentos.
                E enquanto ela pensava se usava uma base «Nude Pink» ou uma «Light Ivory»? Eu triturava a massa cinzenta dentro da minha cabeça, tentando não pensar na conclusão a que Diana chegara e que a mim nem me passara pela cabeça. Poderia Sebastião, o eterno galante, estar realmente a enganar-me? A comprar-me com bom sexo, bombons, flores e anéis?
Nahhhh, paranóia minha! Pensei para com os meus botões, porque os neurónios já começavam a reclamar de tanto serem massacrados. E antes que a miss Emma chegasse e eu tivesse que assistir pela enésima vez ao ritual de recepção de cadáveres, apresei-me a despedir-me da minha amiga e a regressar a casa. Bem, já que tinha uma folga extra e Sebastião não estava em casa, ia aproveitar a ausência dele para uma limpeza geral em casa. Daquelas limpezas «de fio a pavio» que nenhuma mulher gosta de fazer, mas que de tempos a tempos são extremamente necessárias… Ainda por cima se estivermos a partilhar a cama e o resto das divisões lá de casa com alguém do sexo oposto, que só por acaso dá todos os indícios de nos querer levar ao altar um dia destes.
 



[1] Estados Unidos da Améria. (U.S.A.)

Cai morta no sofá! Nem a andar em cima de saltos agulha durante 8h seguidas no hotel me deixavam naquele estado. Não sentia as pernas, as costas, os pés… e PIOR! Tinha arruinado por completo as minhas mãos. Duas unhas partidas, três comidas e as restantes… bem, não vou falar sequer das restantes. Ainda bem que o Sebastião não estava, caso contrário teria de usar luvas tal era a vergonha das minhas unhas.
Depois de ter descansado, completamente escarrapachada no sofá da sala, levantei-me a custo, enfiei-me na banheira com uns bons litros de água a escaldar e sais de banho suficientes para me relaxar até as pestanas. Acendi umas velinhas sem cheiro, só pelo prazer do efeito da chama e deixei a Adele[1]inundar-me os sentidos com as suas baladas e hinos ao amor.
- Hummm, isto sabe mesmo bemmmm – ronronei, deixando-me submergir mais um pouco na banheira ao som da faixa número 9 "Make You Feel My Love" do cd 19[2].
Digam lá se não sabe bem, quando estamos apaixonados, ouvir músicas românticas que nos fazem soltar longos suspiros? Que nos fazem sonhar acordadas e ver o mundo todo de cor-de-rosa? Sim minha gente, sabe mesmo bem estarmos apaixonadas.
Perdi completamente a noção do tempo, deixando que o meu corpo se engelha-se totalmente debaixo de água. E só depois do cd 19 e 21[3], terem chegado ao fim e a água começar a ficar fria é que me decidi a sair da banheira e besuntar-me com uma cheirosa loção corporal de coco, que nem uma torrada com manteiga, depois de saltar da torradeira. Hummm, e por falar em comida… O meu estômago roncou, advertindo-me que depois do esforço e do relaxamento, estava na hora de comer qualquer coisa.
Vesti umas calças de malha de andar por casa, uma camisola larga do tempo da faculdade e dirigi-me à cozinha que ainda cheirava ao detergente. Tinha fome, muita fome. Mas ver a minha cozinha tão limpa e cheirosa tirou-me a vontade de cozinhar. Calcei uns ténis, peguei na carteira e enquanto conduzia em direcção ao centro da cidade liguei para o restaurante «L’Italiano» e encomendava uma generosa dose de spaghetti arrabiata[4], um dos meus muitos pratos favoritos da cozinha italiana.
Felizmente o serviço de refeições take-way não tinha muita gente e em menos de nada vi-me servida e de regresso a casa, com o cheiro maravilhoso da pasta a entranhar-se nas narinas e a agitar-me o estômago.
Confesso que detesto fazer qualquer tipo de refeição sozinha. Gosto de conversar enquanto como, discutir as noticias e a vida que os nossos governantes levam às nossas custas. No entanto, não posso deixar de referir que desta vez o jantar soube-me maravilhosamente bem e nem dei pela falta de companhia. Devia estar mesmo esfomeada, pensei, enquanto me afundava novamente no sofá, estendida sobre a parte chaise longue, com um livro nas pernas e recomeçava a minha leitura, ao mesmo tempo que me deliciava com a sobremesa bem portuguesa: uma musse de chocolate instantânea da Alsa, de chocolate preto. Ah, é verdade, adoro chocolate!
Mas a verdade é que assim que os meus olhos pousaram nas letras, e o meu cérebro começou a processar o que estava a ler, as memórias da conversa com Diana sobre o possível noivado ou a possível traição, sobrepuseram-se à leitura. Acreditem, quando sismo numa coisam, nem a paixão pela leitura leva a melhor.
Enquanto matutava no que podia ou não ser verdade fitei o brilhante anel na minha mãe, as bonitas rosas que oito dias depois ainda estavam perfeitas e cheirosas na jarra. E todas aquelas promessas trocadas, o meu corpo e o dele, envoltos num lençol amarfanhado, depois de horas e horas a fazer amor.
Mas seria fazer amor ou simplesmente sexo? Haveria realmente uma diferença entre fazer amor e fazer sexo?
A cabeça começou a latejar. Estava tudo a ser demasiado perfeito e eu andava verdadeiramente feliz e… Bolas, agora que pensava nisso, andar demasiado feliz costumava trazer-me alguns dissabores. Umas vezes nas questões laborais e profissionais. Outras vezes relacionadas com a família… Só esperava que desta vez a felicidade extrema e a iminente enxaqueca não quisesse dizer que a minha relação com Sebastião estava prestes a desabar, e o conto encantado pronto a ser transformado numa história de arrepiar.
Preocupada com todos aqueles sentimentos analisados nas últimas horas e a morrer de saudades dele, decidi enviar-lhe uma SMS. Sebastião mantinha a nossa relação em segredo, segundo ele para não haver problemas a nível profissional para ele, mas sobretudo – palavras dele – para mim. Ainda assim não consegui evitar. Antes que a enxaqueca avançasse em força escrevi rapidamente:
«Olá amor, como esta a correr tudo? Espero que o evento esteja a correr como previsto. Morro de saudades.
Tua… Eloísa.»
Confirmei para enviar e enfiei-me na cama porque sabia que ele não me ia responder. De manhã, quando regressasse da festa, contar-me-ia todos os pormenores do evento. Por enquanto, lutando com a dor que teimava em ficar mais forte, lancei duas Migraspirina[5]pela goela abaixo e deitei-me na cama vazia e fria, pedindo em surdina que o destino não me desse um desgosto.
Não com Sebastião…



[1] Cantora e compositora britânica.
[2] 19 É o álbum de estreia da cantora e compositora britânica Adele.
[3] 21 É o segundo álbum da cantora e compositora britânica Adele.
[4] Prato de pasta típico italiano, consiste num prato de esparguete com molho de tomate muito picante.
[5] Migraspirina proporciona um rápido alívio dos sintomas de enxaqueca.

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