sexta-feira, novembro 16, 2012

As Trevas da Paixão - Sebastião #5

     Conhecem a expressão «calma, que antevê a tempestade»? Eu estava nesse estado quando a pausa da manhã chegou. A dor de cabeça tinha passado. O ritmo cardíaco tinha estabilizado. A minha irritabilidade tinha sido reduzida para níveis aceitáveis… e o café estava uma delícia. Até o pequeno pastel de nata que sobrara do evento estava divinal.
Quando regressei ao meu posto, podia ter ido directa ao balcão da recepção. Mas sou uma criatura curiosa por defeito. Ou talvez por feitio. E não resisti em espreitar as revistas da alta sociedade que estavam amontoadas nas mesinhas da sala mais oeste do hotel. Os raios de sol entravam pelas janelas altas e contínuas que proporcionavam um ar mágico àquele lugar. Fosse verão, fosse inverno, era uma delícia, ver o dia lá fora através daquelas janelas.
      Aproximei-me da primeira mesa e pesquisei as revistas, vendo aquelas que mais destaque davam ao evento. Seleccionei duas delas, voltei a espreitar o corredor: não vem ninguém, boa! Sentei-me num pequeno banco junto da janela, um sítio estratégico que me permitia ver e ouvir, caso alguém se aproxima-se da sala, e comecei a folhear as páginas da primeira revista.
      Muito glamour, muita gente bonita e bem vestida. Confesso que senti não uma, mas várias pontadas de inveja, enquanto virava as páginas e imaginava Sebastião a rodopiar e a cumprimentar todas aquelas mulheres bem vestidas, exibindo os seus fatos Gucci e vestidos Chanel. As jóias Pandora e os sapatos Prada. As bolsas falsificadas ou não, Louis Vuitton
As crónicas diziam que o evento fora um verdadeiro sucesso, dedicando uma coluna inteira ao jovem relações públicas, Sebastião!
     Sabem o que senti neste momento, ao ler o que os jornalistas escreveram sobre o meu namorado, ascendente a noivo, quase marido? Senti um enorme orgulho, uma enorme felicidade, senti…senti… Nem consigo descrever o que senti, mas digo-vos do fundo do meu coração, que não podia estar mais feliz por ver Sebastião a atingir os seus objectivos profissionais e comecei logo a magicar uma maneira bastante marota de festejar com ele o seu momento de luz. Sebastião merecia ser agraciado e mimado. E eu até sabia uma ou duas maneiras de lhe meter um sorriso tridente no rosto por umas horas.
      - Oh, sim … – disse eu para a revista que tinha no colo, histérica e morta por sair do trabalho e encontra-lo – ele vai amarrrrrr!
      Continuava a sorrir com toda a força com que os meus músculos do rosto esticavam, quando mudei de revista. Esta era mais fina, mas muito conceituada no mundo da alta sociedade. Não demorei a chegar às páginas reservadas ao evento do hotel “Estrela do Horizonte”.
      Uma pergunta, de quanto tempo acham que é o recorde mundial do Guinness no que a mudanças emocionais diz respeito? Não sabem? Pois eu fiquei a saber em primeira mão, pena não ter apontado ou levado um cronómetro para registar, porque de certeza que obtinha o título.
      Diante dos meus olhos, ali, escarrapachado nas folhas do meio da revista, quase a fazer poster, estava uma mega fotografia, cercada de muitas outras, onde os meus pobres olhos viam Sebastião por todo o lado, a beijar e a ser beijado. E desenganem-se se pensam em beijos de cumprimento, cordiais e sem afecto. Estou a falar de beijos ardentes e desavergonhados. Nojentos e sem carácter que me deixaram atónita durante um tempo. Tempo suficiente para ouvir o meu lado racional aos gritos dentro da minha cabeça a dizer sem parar para respirar: Bem feito! Bem feito! Bem feito! Bem feito!
      Fechei a revista com esperança de que, quando a voltasse a abrir, a fotografia da traição tivesse desaparecido e que aquilo que os meus olhos viram não passava de uma partida alucinogénia provocada por uma overdose de aspirinas, mas não. As fotografias não desapareçam, Sebastião continuava ali, impresso em milhentas revistas, espalhadas de norte a sul do país, mostrando ao mundo como se traía em Portugal.
     Céus! Isto não pode ser possível, não pode ser verdade.
Enquanto eu tento negar o que os meus olhos estão a ver, algo no meu peito parece partir, um frio imenso invade o meu peito, parecendo que me está a congelar por dentro.
      -Ele mentiu-me! – Oiço-me a sussurrar uma e duas vezes, alguém chama pelo meu nome, mas está tão longe que por momentos penso que estou a sonhar ou que morri de desgosto. A revista é-me retirada das mãos e as vozes que sussurram aumentam.
Meio trôpega levanto-me e quase que caio, mas alguém me agarra.
      -Estás em choque. – diz alguém.
É uma voz masculina mas não a reconheço. Consigo chegar à revista, agarro nela e vejo a imagem novamente, e dou por mim a dizer:
      - Vou mata-lo…

      Dito isto saio do hotel e procuro o meu carro, não sei como cheguei a ele, não sei como cheguei a casa. Limpo a cara com as mãos, que estão húmidas. Dirijo-me ao quarto e o silêncio é tal que se caísse uma pena iria dar a sensação que seria um terremoto.
      -Traidor. – Sussurro de novo e dou um ponta pé na porta. Esta abre-se com um estrondo quando embate na parede do quarto.
Vejo Sebastião a dar um salto na cama, ficando sentado e maravilhosamente nu à minha frente
      -Ao menos tomas-te um banho? – Pergunto, raivosa.
      -Ah? O Quê? Querida, o que se passa? – se eu não tivesse visto as fotos, até acreditava naquele olhar inocente e confuso, mas sei que ele está a mentir, a fingir descaradamente.
      -Amor, vem cá – incentiva ele dando uma palmadinha na cama. – Não me digas que a equipa partiu alguma coisa? – Questiona num tom sério.
     -Oh não, a equipa não. - Confesso com um sorriso perigoso a bailar nos meus lábios – Aliás… a equipa foi muito eficiente. – respondo-lhe com ironia e caminho na direcção da cama e por momentos tenho um déjà vu animal, sinto-me como uma leoa a observar a sua presa, e a melhor maneira de a caçar.
      -Então, porquê esse olhar? Confesso que me assustaste, era preciso abrires assim a porta? – questiona num tom meloso, mas a irritação na voz não me passa despercebida.
      -Assustei-te foi querido? – ironizo
      -Bem, um pouco. Pregaste-me um susto de morte.
      -Morte? – sorri de orelha a orelha – Engraçado, porque eu vim o caminho todo a pensar numa maneira de te matar de forma lenta…. – não termino, pois ele agarra-me pela cintura quando chego à beira da cama.
      -Espero que seja de prazer, meu anjo. – sussurra no meu ouvido e o meu estômago dá voltas.
      -Não… - afasto me – O Prazer seria só meu!
Atiro a revista contra a cara dele. Ele agarra nela e vê a foto que eu vi. Por momentos fica em silêncio, mas depois ri.
      -Querida, foi um acidente, acredita, a rapariga ficou entusiasmada e atirou-se a mim, eu afastei-me assim que consegui.
Foi a gota de água, quando termino de ouvir tal barbaridade, a raiva toma conta de mim e atiro o candeeiro contra ele.
      -Acidente, filho de uma cadela no cio? Acidente vai ser quando eu te abrir a cabeça ao meio, meu porco sarnento – grito-lhe enquanto atiro tudo o que encontro contra ele. – Fora daqui, meu merdas, falso, traidor, nojento, fora. – continuo a gritar e atirar coisas, ele tenta fugir para não lhe acertar com nada.
Aproveito e vou ao roupeiro, tiro tudo o que é dele e atiro pela janela. Sebastião fica de boca aberta a olhar para mim.
      -Sai daqui, fora da minha casa, já!
      -És louca – gritou ele em resposta
      -Oh sim, ainda não viste nada. Agora, fora!
      -Assim?– pergunta chocado - Nu?
      -Sim, assim nu, para sentires a vergonha que eu senti. – Num instante regresso da sala com um dos ferros que está na lareira e aponto a parte afiada e em bico na direcção dele. – Fora! Não me faças repetir de novo, porque se não furo-te todo ate pareceres uma fonte defeituosa!
      -Cristo, és louca! – Sebastião arregala-me os olhos como se eu fosse uma assombração e desaparece da minha casa.
Quando a porta se fecha, caio no chão a chorar.

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