sábado, janeiro 19, 2013

As Trevas da Paixão - Gil #5

Gil ajudou-me a levantar do chão. Sim, só com ajuda as minhas pernas teriam força para impulsionarem o resto do corpo a ergue-se do chão.

Mas o que é que eu fui fazer…
                Gil beijou-me na testa e acariciou-me o rosto. Olhou-me com um olhar que fazia derreter cubos de gelo e voltou a beijar-me na ponta do nariz, para depois me voltar as costas e começar a fazer o que lá tínhamos ido fazer de facto.
Enquanto isso, enquanto ele se vestia, eu esbofeteava-me com força mentalmente.
Mas o que é que eu fui fazer…
                Bom, de que é que me adiantava chorar o leite derramado? O rapaz era bonito, atencioso, e o sexo! Era de fazer saltar os olhos das órbitas! Sim, tinha acontecido e ponto final. Não ia continuar a sentir-me mal por ter feito sexo com um gajo mesmo bom no chão do vestiário do departamento pediátrico do hospital local. Não, claro que não.
Ia atirar antes uma corda ao pescoço e ia-me suicidar mais logo ao final da tarde.
O. Meu. Deus,estava a ficar apanhada como a minha querida amiga Diana. Ela sim teria tido a coragem para fazer uma maluquice destas, não eu. E no entanto…
Desviei o olha para o chão e um intenso calor invadiu-me o rosto. Já não me sentia triste, nem usada, nem desprezada nem nenhum desses estados depressivos que me tinha vindo a destruir por dentro desde o verdadeiro espectáculo em Lisboa semanas antes.  Agora sentia-me feliz, viva, desejada, sexy e com vontade de…
                - Estou pronto – disse Gil, ajustando a mochila ao ombro – Vamos?
Sim, vamos embora e vamos rápido, antes que te atire ao chão e recomecemos tudo outra vez.
Sim, definitivamente a doença de Di começava agora a manifestar a sua presença. E sabem que mais? Talvez fosse essa a dica, talvez se começasse a fazer tudo na base do impulso deixasse de sofrer porque se arriscasse não criava expectativas, e se não temos expectativas não sofremos desilusões. Certo?
Gil guiou-me pelo corredor, até às portas metalizadas do elevador. Esperamos uns segundos e quando as portas se abriram, fomos brindados pelos olhos roxos de raiva de Matilde que me fuzilou se sequer tentar disfarçar. Gil sorriu-lhe e, com a mão direita no fundo das minhas costas cedeu-me passagem no elevador. Quando as portas se fecharam revirei os olhos e suspirei pesadamente. Matilde era uma porreira. Sim, era, porque era óbvio que gostava do jovem pediatra e nunca mais me dirigiria um sorriso verdadeiro. Mal ela sabia o que tinha acontecido, muito provavelmente, no mesmo sítio onde ela trocava de roupa…
- Não fiques assim – Gil levantou a mãe e roçou-me o alto da bochecha – Ela é uma miúda porreira, vai acabar por compreender.
Eu fiquei atónita a olhar para ele. Seria possível que a criatura que eu tinha diante dos meus olhos, sexo masculino, tivesse a sensibilidade de ler nas entre linhas? Ou era isso ou… conseguia ler mentes.
- Consegues ler a minha mente? – perguntei divertida.
- Não. Mas quem me dera poder.
Okay, era mesmo a primeira hipótese, tinha acabado de encontrar um espécime masculino com a rara capacidade de ler nas entre linhas um ser do sexo contrário. Uau. Fiquei chocada.       
 Sem que eu pudesse desenvolver mais, Gil encostou-se a mim e com delicadeza beijou-me os lábios, finalizando com um roçar de ponta do nariz que dava cabo de todas as minhas defesas.
- És uma mulher muito interessante, Eloisa. Bonita. Atraente. – disse ele, arrastando ligeiramente a parte final da palavra – Mas algo nos teus olhos não bate certo. E eu sei que não tem que ver com a Matilde.
Bom, acho que vou ter que considerar a hipótese número dois, ele era mesmo especial. E de certeza que lia mentes.
Claro Eloisa, e o pai natal existe mesmo…
                -Digamos apenas que os meus últimos meses não tem sido grande coisa.
                - Sei que ainda mal nos conhecemos, mas no que precisares, estou aqui. – disse ele com um fogo no olhar e uma intensidade que me fez dar um passo atrás, esbarrando-me na parede do elevador.
Depois, como que adivinha-se que as portas se abririam naquele segundo, beijou-me os nós dos dedos, deu-me a mão e conduziu-me pelo átrio principal do hospital, acenando e cumprimentando os seguranças e outros colegas de trabalho por onde íamos passando.
Ele não voltou a insistir no assunto do meu passado e eu agradeci porque tudo o que não queria, era voltar a lembrar-me dos S.S. sim, no que a eles dois dissesse respeito eu passava a sofrer de uma doença relacionada com memória a curto prazo. Tipo Dóris[1], agora lembro-me, agora já não. Ia fazer como se eles nunca, em momento algum se tivessem cruzado no meu caminho.
Gil conduziu-me até ao seu carro. Um bonito e moderno Megane Sport Tourer, preto. Depois de devidamente acomodada no banco do passageiro, Gil mencionou que estava a morrer de fome e se eu o acompanhava num almoço e depois sim, tomaríamos o nosso tão esperado café.
Acabamos por comer num restaurantezinho simpático, no centro de Évora. Numa descontracção tão grande, como se o que tivesse acabado de acontecer, no chão do vestiário dos enfermeiros não tivesse sido nada de anormal.
Depois fomos tomar café a uma esplanada do centro histórico.



[1] Personagem do filme ‘À procura do Nemo’.

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