sexta-feira, março 01, 2013

As Trevas da Paixão - Rafael



Sim, eu sei, já pensei em escrever um livro sobre as barbaridades que me têm acontecido nos últimos tempos. Inclusive, até já pensei num título: “Como ser encornada três vezes consecutivas?”
- Melhor, muito provavelmente devo conseguir entrar para o Guinness! – Falo sozinha, como as velhas senis, ao mesmo tempo que suspiro e observo tudo à minha volta. A ideia de ir a uma discoteca pareceu-me apelativa, afinal há que seguir em frente, não é? Mas neste momento, estar sentada a um canto não me parece de todo divertido. Escusado será dizer que Diana anda algures no meio da pista a dançar, sabe-se lá com quem… e pensando no diabo, assim que reparo melhor vejo a minha amiga a caminhar na minha direcção e acompanhada. E adivinhem lá? Não trás um, mas dois gajos com ela. Altos e musculados.
Sinceramente? Aqui para nós? Aqueles tipos emanam, transpiram e respiram sexo. Daquele forte e feio, bem selvagem. Constatação essa que não me devia surpreender, afinal estamos a falar da Diana.
- Ainda aqui sentada? – Pergunta Diana, com o sobrolho franzido.
- Nop, Estou ali na pista a curtir ao máximo. – a minha resposta a transbordar de ironia foi acompanhada pelo meu dedo indicador. Dedo esse que Diana começou por seguir, antes de perceber a piada.
- Por favor, Eloisa! Não me digas que estás a pensar naquele traste?
- Não. Apenas não estou com espírito para a coisa. – Resmunguei.
- Podemos dar uma ajudinha… - insinua um dos tipos, enquanto o outro sorri. Tinha uns dentes perfeitos.
- Não me parece que possa ajudar. – A minha resposta azeda e o meu sorriso amarelo-torrado foi a melhor alternativa para não lhe cuspir as palavras. Mas quem este pensa que é?
- Não pretendia ofende-la. Queria apenas que se divertisse. Tem uns olhos lindos, mas aposto que ficam ainda mais lindos, se essa tristeza desaparecer.
Uau! Porque raio é que eu agora me sinto mal?
- Pois… eu, ah… Olha, desculpa. – Apresso-me a dar uma justificação, que só faz com que o meu ar de idiota fique mais acentuado. – Desculpem, mas hoje não é de todo o meu dia. – Vou buscar um sorriso velho e em segunda mão ao fundo da minha alma e tento que ele se agarre aos meus lábios. No entanto, não consigo mais que mostrar uma cara de quem andou a chupar um limão.
- A menina permite-me que lhe traga uma bebida? – Pergunta o tipo número dois que até ao momento se tinha mantido calado. – Uma água? Um sumo?
Água? Sumo? Deves estar a brincar! Mas ele pensa o quê? Que eu sou uma criança?Ainda no meu monologo cerebral, dou comigo a sentir a temperatura corporal a subir e aviso-vos desde já que não é febre de gripe. É febre de raiva por todos os homens com quem me cruzo não serem capazes de dizer uma única coisa acertada. Mas eu até já sabia como lhe mostrar que aqui a criancinha não só já conduzia, como também sabia beber bebidas alcoólicas.
- Agradecia um Whisky-cola.
Nesse instante, torno-me no centro das atenções e só me faltam os holofotes a cegar-me para o momento ficar perfeito. Diana e os tipos numero um e numero dois observam-me surpresos, o que acaba por me arrancar um sorriso. Diana senta-se junto de mim enquanto os rapazes vão ao bar buscar as bebidas.
- Hummm, parece que estás a animar.
- Um pouco. – Disse-lhe, ao mesmo tempo que encolhia os ombros. – Pode ser que com um copito fique melhor.
- Esta sim, é a minha menina! – Disse Diana, ao mesmo tempo que partilhava as palavras com um sorriso rasgado e satisfeito.
Na verdade, satisfeita demais para o meu gosto. Conhecendo Diana como conheço, depois de algum tempo perguntei como quem não quer a coisa:
- Então, onde é que os foste desencantar? – Inclino a cabeça na direcção do bar. – Pensei que preferisses coisas… bem… frias e caladas?
- E estes são bem quentes, hã? – Diana pareceu-me por momentos uma bonita e matreira raposa, com aquele brilho especial nos olhos e sorriso rasgado que só quer dizer uma coisa: SARILHOS!
O meu alarme interno dispara e começo a sentir-me estupidamente nervosa mas depois de uns segundos de verdadeira reflexão chego à conclusão que quem está sentada ao meu lado é a minha melhor amiga, a minha irmã por afinidade e ela nunca, em momento algum me magoaria.
Assim que um brilho âmbar cintila diante dos meus olhos sou arrancada aos meus devaneios. Levanto os olhos do copo e vejo o tipo número dois a olhar para mim e a sorrir.
Sabem aquela expressão de ‘comer com os olhos’? Pois bem, eu senti-me comida… melhor ainda, devorada de uma vez só. Ainda embaraçada com o comportamento dele que não faz jus, de todo, à expressão que vos falei há segundos, acabo por lhe devolver um meio sorriso forçado.
- O-obrigada. – Gaguejo devido aos nervos e acabo por me pontapear a mim própria mentalmente. Detesto quando isto me acontece.
- De nada, estrela. – O tipo número dois senta-se ao meu lado ao mesmo tempo que lanço um olhar enviesado à minha melhor amiga.
- Oh, desgraça! – Assusto-me com a mudança de comportamento e sigo-a com o olhar. O que é que esta doida vai fazer agora?- Não vos apresentei! Eloisa apresento-te o Nelson e o Ruben -  o tipo número um e número dois sucessivamente – Meninos esta é a minha amiga que vos falei a Eloisa.
Desta vez o bip-bip sonoro do meu alarme interior foi substituído por uma sirene do INEM! Ela falou com eles sobre mim? Não, só pode ser uma brincadeira. A Diana adora brincar com o fogo e por vezes queima-se e quer-me parecer que desta vez as queimaduras vão ultrapassar as de terceiro grau. Controla-te Eloisa! O mais provável foi ela ter comentado que estava contigo. Um comentário simples e pontual. Uma constatação de um facto. Nada de dramas. Ok. A minha consciência tinha razão, estava a dramatizar.
Depois de controlar os meus monólogos cerebrais e de ter garantias de que as minhas mãos não se colavam ao pescoço de Diana, reparo que um par de olhos está fixo em Mim. Ruben. Devolvo-lhe o olhar que transmitia um ‘o que foi’ e apercebo-me que tinha deixado transparecer todas as duvidas e todo o pânico que tinha tomado conta de mim naqueles segundos.
Recordando-me das etiquetas e da minha boa educação, estendo uma mão para um cumprimento:
- Prazer. – Ok. Agora sim, sinto as minhas bochechas a arder. Prazer? Céus… Cheira-me que a noite vai ser uma desgraça completa.
- Todo meu, estrela!
A voz dele embateu no meu corpo e propagou-se como uma réplica de um sismo. Eu, completamente paralisada, apenas consigo olhar para o dono daquela voz rouca e sedutora enquanto ele se aproxima um pouco mais. E mais um pouco ainda. A mão dele toca na minha coxa de forma propositada e eu acabo por suster a respiração enquanto o vejo avançar um pouco mais.
Uma vez accionado o meu piloto automático, pego na minha bebida e de um trago esvazio o copo e arranco uma gargalhada estridente a Diana que só lhe faltou rebolar no chão.


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